quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Um desabafo meio enrolado, mas interessante

O quarto do pânico
                Me lembro do filme – O quarto do pânico, em que a menina acha um buraquinho para o lado de fora e fica piscando uma lanterna com o sinal de S.O.S. em código Morse, tentando pedir ajuda. No filme, até as personagens acham idiota, mas um vizinho vê, entende e chama  polícia.
                Parece eu, falando dos meus sentimentos clara e abertamente dentro de um quarto-cofre, mas se tiver que falar fora das paredes de chumbo, não consigo. As paredes de chumbo sempre estão ali. Eu até já achei um buraquinho, já mando sinais em código Morse, mas parece que ninguém vê.
                Se alguém visse e viesse ver se está tudo certo, eu certamente abriria a porta do meu quarto-cofre, para poder ficar presa junto com essa pessoa no lugar onde eu falo dos meus sentimentos claramente. Sempre deixo a pessoa livre pra sair, mas sabendo que eu não saio. Sou daquelas que só diz que ama entre quatro paredes, se possível, de chumbo. Na frente dos amigos eu não amo. Na frente dos amigos eu acho legal, estou curtindo, como se eu não fosse sentir nada se o cara resolvesse ir embora amanhã.
                Entrar no meu quarto do pânico e zombar é uma afronta. Por isso, pessoas que adoram zombar dos sentimentos dos outros não entram.
                Também, entrar e viver quilo tudo comigo e sair falando sobre o que acontece lá dentro, eu considero traição. Trair minha confiança é tão grave quanto me trair com outra pessoa. Mas um que não entra.
                Eu fico sozinha, todos os dias, vivendo as minhas emoções intensamente no quarto do pânico. E lá dentro, por estar sozinha, as emoções ecoam e ficam enormes. Um “eu gosto de A”, se não tiver um “eu gosto de B” pra equilibrar, vai ecoar sozinho como um “eu gosto”, e vai ressoar, ressoar nas paredes e virar um “eu amo A”, talvez um “eu amo A e não sei viver sem ele”. Esses ecos inventados são sempre muito maiores que o sentimento original. Talvez por isso, fiquem ecos para sempre.
                Se quando eu dissesse “eu gosto de A”, o A pudesse ouvir, ou entendesse o meu código Morse e viesse ao meu encontro, ele entraria no quarto do pânico como um eu gosto, ia ecoar e virar um eu amo, mas não por ser um quarto de lata vazio, onde tudo vira eco, e sim por ser um “eu amo” dito por duas vozes. Ia crescer igual para os dois, ia ser lindo. Mas como A não ouve, eu falo sozinha no vazio, o eco amplia, “eu gosto” vira “eu amo” que vira “sou louca por”, que vira qualquer coisa, até um “A é o homem da minha vida” em um eco de muitos anos.
                Mas e aí? E se nessa altura o A ouvir? E se vier? Não posso deixar entrar de verdade alguém de quem os ecos falam o tempo todo, seria constrangedor pra mim o A saber os ecos que tenho dele. E como ele vai saber que é uma ampliação do eco e que o que eu disse originalmente foi um inocente “eu gosto de A”?
                O A pode ficar confiante demais e achar que com um eco daqueles, ele pode fazer qualquer besteira que a porta sempre vai se abrir pra ele entrar de novo.
                Ou então, A pode ouvir o eco e pensar que se não corresponde, se ele sabe viver sem mim, é melhor não se meter nessa furada, e cai fora.
                Então eu fico, sozinha no quarto do pânico, ouvindo minhas somas virarem multiplicações e depois potências e os resultados aumentando absurdamente, sem corresponder à realidade.
                Fico vendo A virar quase um ser mitológico, sem defeitos, e que nunca olharia para mim. Até aparecer um “eu gosto de B”, e aí as frases sobre A começam a ser substituídas.
                Parece que só vivo alguma coisa real, quando um tal X, sem ouvir, sem ver código Morse nenhum, se arrisca e vem bater na porta do meu quarto do pânico. Se o X agradar, ele pode já estar lá dentro quando eu disser o primeiro “eu gosto de X”.
                E assim eu vou vivendo, fabricando paixões platônicas e esperando que a realidade venha bater na minha porta.
Maria Fernanda C Machado
12/12/12

Um comentário:

  1. Que texto fantástico! parabéns. Espero que um x destemido possa bater na sua porta e quando menos você esperar, ele se torna um A, contrariando toda aquela expectativa. Mostrando que a vida pode ser incrível por ser imprevisível.

    ResponderExcluir